A campanha eleitoral argentina é a primeira da região na qual a Inteligência Artificial está sendo usada em grande escala, sobretudo na produção de vídeos que viralizaram nas últimas semanas em redes sociais como Instagram, TikTok e YouTube. Fontes da campanha do peronista Sergio Massa admitiram ao Globo que ferramentas de IA são essenciais para a equipe de estrategistas que assessora o candidato, formada, também, por brasileiros, americanos e espanhóis.
Já fontes da campanha do candidato da direita radical Javier Milei negaram a utilização da IA, mas admitiram que sistemas populares atualmente, entre eles Midjourney e Dall-e, são usados por apoiadores do líder do partido A Liberdade Avança. Um dia após o último debate entre os dois candidatos, a campanha de Massa lançou ontem nas redes um vídeo sobre um episódio que traumatizou a sociedade argentina: o afundamento, em 2 de maio de 1982, do cruzador ARA Belgrano, durante a Guerra das Malvinas, que matou 323 argentinos.
No vídeo, com personagens de animação, aparecem soldados argentinos na embarcação, e em seguida a então primeira ministra britânica, Margaret Thatcher, dando a ordem de “atacar o Belgrano”. Antes do ataque acontecer, aparece a voz de Milei dizendo que “na História da Humanidade ouve grandes líderes, a senhora Thatcher foi [um deles]”. O vídeo termina com a seguinte mensagem, dita por Massa durante o debate: “Um país não pode ser liderado por quem admira seus inimigos.”
Na semana passada, um vídeo produzido por seguidores do candidato da direita radical causou forte polêmica no país. Nele, o candidato peronista aparecia cheirando cocaína. A campanha de Massa acusou a de Milei de criar as chamadas deepfakes que, como explica o brasileiro Ricardo Campos, professor assistente na Universidade Goethe, de Frankfurt, na Alemanha, e diretor do instituto LGPD, “são vídeos ou áudios manipulados para parecerem genuínos”.
Candidatos políticos e figuras públicas podem ser retratados dizendo ou fazendo coisas que nunca ocorreram, o que pode afetar drasticamente a opinião pública. Essa é uma discussão que vem crescendo e ganha ainda mais relevância em razão dos casos recentemente ocorridos na Argentina - afirma Campos.
Como acrescenta Campos, que colabora na elaboração de projetos de lei sobre FakeNews e IA no Brasil, “as deepfakes têm se tornado tão realísticas, chegando ao ponto de confundir um espectador leigo ou desatento, que elas podem levar, nas palavras do professor Marc Blitz, da Universidade de Oklahoma City, a uma ‘anarquia informacional’.” Deepfakes podem causar tamanho desgaste à credibilidade das instituições, tanto públicas quanto privadas, que essas possivelmente enfrentarão uma crescente dificuldade de se mostrarem confiáveis para as pessoas de maneira geral, caracterizando a erosão da confiabilidade - frisou Campos ao GLOBO.